“Não vi outro governo no mundo adotando publicamente uma iniciativa pelos negócios de impacto. A posição do Brasil é muito concreta e forte.
Muhammad Yunus, criador do microcrédito, idealizador do conceito de negócio social e vencedor do Prêmio Nobel da Paz pelo trabalho na mitigação da pobreza, é um dos críticos sociais mais incisivos da atualidade. Em seu último livro, Um mundo de três zeros, ele afirma que é hora de admitir que o motor capitalista está quebrado – que, em sua forma atual, o sistema leva inevitavelmente à desigualdade desenfreada, ao desemprego em massa e à destruição do meio ambiente. Precisamos de um novo sistema econômico que desperte o altruísmo, tornando-o uma força criativa tão poderosa quanto os interesses pessoais.
Sonho utópico? De forma alguma. Ao longo da última década, milhares de pessoas e organizações abraçaram a concepção de Yunus para um novo modelo capitalista e lançaram negócios sociais inovadores, projetados para atender às necessidades humanas em vez de gerar acúmulo de riquezas. Levam energia solar a milhões de lares em Bangladesh; transformam milhares de jovens desempregados em empreendedores que recebem investimentos; financiam empresas controladas por mulheres em cidades norte-americanas; trazem mobilidade, moradia e diversos serviços a pessoas pobres da zona rural da França; e criam uma rede global que apoia jovens empreendedores na abertura de startups.
Em Um mundo de três zeros, Yunus descreve a civilização derivada dos experimentos econômicos que seu trabalho inspirou. Ele explica como empresas globais como McCain, Renault, Essilor e Danone se envolveram com o novo modelo econômico por meio de grupos de ação social próprios, detalha as engenhosas ferramentas financeiras que hoje financiam negócios sociais e oferece um esboço das mudanças legais e regulatórias necessárias para dar impulso à próxima onda de inovações orientadas por questões sociais. E ele convida jovens, lideranças empresariais e políticas e cidadãos comuns a se unirem ao movimento e colaborarem na construção do mundo melhor que todos nós desejamos.
Muhammad Yunus participou da última reunião do Comitê da Estratégia Nacional de Economia de Impacto (Enimpacto) realizada em 19 de outubro de 2023 sob a coordenação da Diretoria de Novas Economias, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). No evento, Yunus falou da importância do microcrédito como uma ferramenta para ajudar as pessoas.
“Minha crença é servir às pessoas, não explorar as pessoas. Microcrédito é um negócio social. É um negócio não voltado para o lucro pessoal.”
O Brasil tem a maior taxa de juros do mundo.
Como o senhor acha que essa taxa de juros impacta os negócios no Brasil?
Minha crença é servir as pessoas, ser útil para as pessoas, não explorar as pessoas. Se a taxa de juros é tão alta a ponto de explorar, então isso não está de acordo com minha crença. É isso que temos feito. No passado, o que vimos… As pessoas usam o termo “microcrédito”, mas usam o microcrédito como um ativo para ganhar dinheiro para si mesmas. Isso não é microcrédito. Microcrédito é um negócio social. É um negócio não voltado para o lucro pessoal. Você não deve tirar um centavo do microcrédito para seu benefício pessoal. Qualquer excedente que você criar deve ser reinvestido. O microcrédito deve ser útil para as pessoas, não uma carga para elas. Se não satisfizer essas condições, não pode ser chamado de microcrédito. Portanto, quando vemos que muitos microcréditos, quando são implementados em outros países, são mal compreendidos ou são deliberadamente distorcidos. Eles usam a ferramenta do microcrédito para ganhar dinheiro para si mesmos. Eles se tornam agiotas. Então, quando você traduz o agiota para o microcrédito, você está olhando na direção errada. Isso não é como deveria ser. O Grameen Bank, que criamos em Bangladesh, pertence aos tomadores de empréstimos. Não pertence a mais ninguém. Portanto, se o Grameen Bank deseja reduzir os juros, eles têm a liberdade de fazê-lo, porque são os proprietários do banco. Portanto, não há imposição.
“O microcrédito é para as pessoas e deve servir às pessoas, ser útil para elas, não explorá-las. Quando a taxa de juros é muito alta, isso se torna uma exploração das pessoas, e já vimos isso no passado. A ideia é fazer o dinheiro beneficiar as pessoas, e se não for assim, o microcrédito não é um negócio social, não é um negócio de dividendos. Não se deve tirar um centavo do microcrédito para o lucro pessoal”.
Qualquer excedente criado deve ser voltado para o benefício das pessoas e não deve ser uma carga para elas. Se não atender a essas condições, não pode ser chamado de microcrédito. Portanto, o microcrédito deve ser útil para as pessoas, não explorá-las.
E como você avalia as condições do microcrédito aqui no Brasil?
Infelizmente, não estou familiarizado com os detalhes do microcrédito aqui, só ouvi algumas notícias. Portanto, se não entender especificamente o que é, não devo fazer nenhum comentário.
Como o senhor visualiza a construção de um mundo com os três zeros, zero pobreza, zero desemprego e zero emissões líquidas de carbono?
O que nos levará a alcançar os três zeros serão os negócios sociais. Enquanto nos concentrarmos em ganhar dinheiro, estaremos indo na direção oposta. Portanto, precisamos mudar isso, e quanto mais o setor econômico se tornar social, mais perto estaremos de alcançar os três zeros. Não temos outra opção para continuar nesse caminho. Precisamos atingir os três zeros, caso contrário, não sobreviveremos.
Qual a sua opinião a respeito do lançamento do Plano Decenal da Estratégia Nacional de Economia de Impacto no Brasil?
Não vi nenhum outro governo no mundo adotando essa iniciativa publicamente, dizendo que estamos comprometidos com ela. Isso é uma posição muito ousada. Tendo essa iniciativa publicamente e afirmando que temos esse compromisso. Portanto, é uma posição muito concreta e forte.
Estamos indo no caminho certo?
O caminho que estamos seguindo é importante. Quanto mais avançamos nesse caminho, mais problemas resolveremos. Quando os negócios sociais entram em cena, é como se mudássemos de marcha. Quanto mais seguimos por esse caminho, melhoramos o ambiente, eliminamos o desemprego, e outras melhorias acontecem. A pobreza diminui e assim por diante. Portanto, depende de qual caminho estamos seguindo. Se o governo não se comprometer a reduzir as emissões de carbono para zero, a reduzir o desemprego para zero, a reduzir a pobreza para zero, estaremos indo na direção errada. É como se estivéssemos em uma estrada. Se não construirmos o caminho correto, nos auto destruiremos. Se seguirmos o caminho errado, continuaremos a enfrentar problemas. Trata-se de construir uma nova estrada. Essa nova estrada nos ajudará a sair dos problemas do passado e a criar uma nova civilização para o mundo.
Obrigado!